"Como se fazem os Dicionários"
Hayakawa
É crença quase universal que cada palavra tem um sinônimo definido; que é principalmente através de professores; e gramáticos que aprendemos a conhecer os sinônimos ,(mas que , na maior parte das vezes, não nos damos esse trabalho , e por isso falamos tão mal a nossa língua...),
e que os dicionários e os gramáticos constituem a suprema autoridade no que diz respeito a significados e emprego de palavras. Poucos perguntam com que
autoridade dicionários e gramáticos dizem o que dizem. É espantosa a docilidade com que a maioria das pessoas ,se curva ante o léxico ; e aquele que disser "Pois bem , o dicionário errou !" , será tido , quando mais não seja , na conta de maluco.
Vejamos entretanto como se fazem os dicionários , e como chegam os dicionaristas ás suas definições. O que vem a seguir,incidentalmente
se aplica apenas á feitura daqueles dicionários onde se processa a pesquisa
original de primeira mão, não aquela onde os redatores apenas se limitam a copiar os dicionários existentes.
O primeiro passo na composição de um dicionário consiste na leitura de um enorme
acervo de literatura do período, ou do assunto , que se pretende cobrir. Enquanto lêem, vão os redatores copiando em cartões cada vocábulo interessante ou raro , cada ocorrência inusitada ou peculiar
a um vocábulo de uso corrente , igualmente copiam um grande número de palavras comunss em seu emprego ordinário, e também as expressões onde
tais palavras aparecem. Por exemplo,
balde
"Os baldes do estábulo trazem para casa um acréscimo de leite."
KEATS -Endymion
I,44-45
Com efeito, a tarefa consiste em coligir os contextos , junto com a própria palavra. Num empreendimento lexicográfico verdadeiramente
grande (por exemplo, o Oxford English Dictionary, que geralmente abrange vinte e cinco volumes) coligem-se milhões de tais verbetes,e a tarefa de corrigi-los, cobre várias décadas. Uma vez coligados os verbetes, estes são dispostos por ordem alfabética e em seguida classificados. Depois de completar-se a classificação, haverá para cada palavra de duas a três e até muitas centenas de citações ilustrativas ,cada uma apenas ao respectivo verbete.
Assim, pois, para definir uma palavra, o dicionarista coloca á sua frente a pilha de definições que a exemplificam ; cada uma destas definições contém o uso real da palavra , exemplificado por um escritor de certa importância literária ou histórica. O dicionarista então lê cuidadosamente os verbetes , rejeita alguns , relê os restantes e divide a pilha segundo o que julga serem os muitos sentidos da palavra em causa. Finalmente , reescreve
as definições em, seguindo rigorosamente a regra de que cada definição deve basear-se no que as citações que tem á sua frente revelam sobre o significado da palavra .
O dicionarista não pode deixar-se influenciar por aquilo que ele próprio pensa
dever significar determinado vocábulo. Deve sempre trabalhar de acordo com os verbetes,ou , caso contrário, abandonar a tarefa.
Desta forma, a feitura de um dicionário não consiste em arranjar-se definições
autorizadas sobre o "verdadeiro significado" das palavras, mas em registrar, na medida da habilitação de quem o faz, o que várias palavras significaram para escritores de um passado imediato ou longíquo . O dicionarista é um historiador , nunca um legislador . Se , por exemplo, estivéssemos fazendo um dicionário no ano de 1890, ou mesmo mais recentemente, em 1919, poderíamos ter registrado a palavra broadcast com o significado de "espalhar, ou semear á mão";
mas nunca poderíamos ter afirmado que , de 1921 em diante, o significado
mais comum da palavra broadcast seria "disseminar mensagens audíveis, etc.., pela telefonia sem fio." Fazer do dicionário uma autoridade, equivale pois, a dotar
o seu autor com o dom da profecia, do qual nem ele, nem ninguém é possuidor. Ao
falar e escrever , podemos orientar-nos , na escolha das palavras pelo registro histórico que o dicionário nos faculta, mas não podemos deixar-nos acorrentar por ele, pois novas situações, novas experiências , novas invenções
novos sentimentos , constantemente nos obrigam a imprimir novos usos a palavras velhas. Há quinhentos anos, procurando no dicionário uma "capota,
teríamos encontrado uma touca de mulher ou de criança"; hoje encontramos um "toldo de automóvel".
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