quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Família Borgia (parte I)

A Igreja Católica vem perdendo sua autoridade de redentora dos pecados dos homens para converter-se, ela própria, num antro de perdição. Isso é o que se vê em Roma em nossos dias e, talvez mais do que nunca, no papado atual.

Os últimos papas desviaram-se da tarefa pastoral para viver como chefes de Estado, movidos a cobiça, corrupção e libertinagem. Mas o grande exemplo desse descalabro, que amedronta a cristandade e ameaça a mais coesa religião da Europa, vem do alto do trono de São Pedro pela figura de Alexandre VI, eleito papa em 1492. Alexandre VI usa como nenhum outro a influência da coroa papal em benefício de suas paixões terrenas. Famoso por colecionar amantes e nomear parentes para cargos eclesiásticos com a facilidade de quem distribui hóstia na missa, Alexandre VI empenha-se em um único objetivo: concentrar poder nas mãos de sua família. Prova disso é o modo como protege e ao mesmo tempo manipula os filhos, sempre visando a conquistas políticas.

A prole do papa espanhol, em si, não é propriamente motivo de escândalo no ambiente de liberalidade de costumes que se vive em Roma desde meados do século passado, quando pontífices passaram a assumir os filhos bastardos nascidos antes da coroação papal. O que torna a crônica religiosa de nossos dias espantosa é a incansável ambição de Alexandre VI, papa que coloca a Igreja e a família a seu serviço. No próximo mês, o sumo pontífice abrirá os salões da fortaleza de Sant'Angelo, seu castelo em Roma, para um baile grandioso. Segundo o mestre de cerimonial do Vaticano, o papa ordenou que vários edifícios da Cidade Eterna sejam embandeirados e iluminados. Escadarias e muradas serão cobertas por tapetes. Espera-se o troar de canhões e bombardas desde as primeiras horas do dia. O festim foi organizado para comemorar o anúncio oficial do terceiro casamento de Lucrécia Bórgia, a filha do papa, com o jovem Alfonso D'Este, herdeiro do ducado de Ferrara.

Terceiro casamento.

Celebrar esse terceiro casamento para a filha está longe de parecer um ato perturbador para o papa. Ao contrário, é mais uma das suas articulações políticas, coisa que faz com evidente prazer, mesmo tendo chegado aos 70 anos com saúde debilitada. O novo matrimônio acontece após as sucessivas alianças de poder do papa terem sofrido mudanças inesperadas, o primeiro casamento de Lucrécia foi anulado. Já o segundo teve um fim bem mais trágico: o assassínio do esposo. Há quem garanta que o crime aconteceu no próprio Vaticano, ordenado por César Bórgia, o filho do papa Alexandre VI cujas demonstrações de valentia o transformaram em terror de Roma.

Sob o pretexto de proteger a cristandade da expansão muçulmana, Alexandre VI criou um exército católico, chamado Santa Liga, do qual seu filho César foi nomeado comandante. A utilidade prática da milícia dos Bórgia não é defender os domínios cristãos, e sim invadir, saquear e intimidar cidades que pareçam hostis a seu desígnio. César tem-se tornado soberano dessas cidades. Conquista pela força as possessões territoriais que Alexandre VI não obtém por decreto do Vaticano. Já não é segredo em Roma que o papa pretende fazer de seu filho rei da Itália.
"Toda noite, quatro ou cinco pessoas assassinadas são encontradas em Roma", escreveu o embaixador veneziano Paolo Capello, insinuando que César Bórgia estaria por trás de cada uma das mortes.

(continua)

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