Tem início no Egito a história da coluna vertebral, com o primeiro-ministro do faraó Djoser (Zoser), chamado Imhotep, que era também arquiteto, médico e um apaixonado por Medicina.
Quando traduzia um papiro encontrado numa região do Egito, o egiptólogo Edwin Smith deparou com informações extremamente interessantes:
"Caso 33 - Instruções concernentes a uma vértebra amassada no pescoço: se examinares um homem com uma vértebra fraturada no pescoço, acharás que uma vértebra caiu para junto da outra, enquanto ele está mudo e não pode falar; a sua queda de cabeça para baixo foi o que causou o desabamento de uma vértebra sobre a outra; verás que ele não tem consciência de seus dois braços e duas pernas. Dirás em relação a esse homem: 'É um caso de vértebra amassada no pescoço; ele está inconsciente de seus dois braços e duas pernas. Este mal não pode ser tratado.' "
É admirável que, mais de dois mil anos antes de Cristo, um médico tenha relatado um caso de fratura de coluna vertebral cervical com conseqüente tetraplegia. Naquela época, Imbotep já advertia que não havia cura para isso. Em 2003, continua não havendo.
Imbotep era tão fascinado por coluna vertebral que mandou construir uma pirâmide que lembra as vértebras empilhadas. A Piramide em Degraus de Sakkara é a mais antiga do mundo (cerca de 2.650 a.C.). Depois que fez a pirâmide, Imbotep passou a ser considerado um deus da Medicina, pois os egípcios achavam que somente um deus poderia criar uma piramide tão monumental.
A coluna de Osíris.
O Deus Osíris, irmão e marido da deusa Ísis, era uma divindade em forma de ave. Seu irmão, chamado Seth, apaixona-se por Ísis. Para ficar com ela, decide matar e esquartejar Osíris. Como as divindades egípcias tinham freqüentemente o poder de voar, Seth voa sobre 0 Deserto do Saara e do alto espalha fragmentos do corpo do irmão, de maneira que Ísis jamaispudesse ter o marido de volta. Um dos pedaços do corpo, o pênis, caiu não no deserto, mas no rio Nilo, sendo comido pelos peixes.
Querendo reconstituir o corpo de Osíris, sua esposa sobrevoa o deserto, junta os fragmentos e consegue o seu objetivo. Ísis resolve ter um filho com Osíris, mas falta-lhe o pênis.
Ela então faz um membro totalmente de ouro, e engravida.
Dessa gravidez nasce Hórus. Este cresce toma conhecimento de que se pai fora morto pelo tio Seth. Horus resolve vingar-se e entra em, luta corporal com Seth.
Na briga perde o olho esquerdo. O deus Toth, vendo que a perda do olho aconteceu por causa da devoção filial de Hórus para com Osíris (atitude de vingança), repõe Hórus um novo olho esquerdo.
É por isso que o olho esquerdo, cuja forma lembra a letra R, é usado nos receituários médicos como amuleto e invocação para que Hórus, o deus egípcio da Medicina, ilumine o médico na prescrição de remédios capazes de curar.
Da mesma maneira que no Brasil usa-se comumente como amuletos a fita do Senhor do Bonfim, a figa e o pé-de-coelho, um amuleto muito popular no Egito é a coluna de Osíris, usada por quem quer ter saúde. Esse segmento de coluna geralmente evidencia, de maneira individualizado, três corpos vertebrais cervicais e três discos intervertebrais.
Simbolicamente, para o povo egípcio, ganhar a ressurreição depende de se preservar a coluna vertebral. Assim, a mumificação tem o objetivo de preservar, fundamentalmente, a coluna vertebral. É como se esta fosse o passaporte para a vida eterna.
Aliás, o sacro (termo que vem do latim saíram, sagrado) tem este nome por ser considerada pelos egípicios a única parte da coluna vertebral que não poderia jamais faltar para que a pessoa pudesse ter garantida a vida eterna.
Hipócrates, o "Pai da Medicina", nasceu em 460 a.C. na ilha grega de Cós. É famoso por haver escrito os aforismos e o 'Juramento' feito pelos futuros médicos nas solenidades de formaturas.
O tratamento de coluna vertebral por tração gravitacional precolonizado por Hipócrates.
Também entrou para a História porque foi, possivelmente, o primeiro a preconizar um tratamento para hérnia de disco.
Tal tratamento consistia em pendurar o paciente de cabeça para baixo, encostado numa escada por 40 dias, e nessa posição ele deveria se alimentar, dormir ...
Já na era Cristã, o médico Cláudio Galeno (129-199), também conhecido por Galeno de Pérgamo, modernizou o tratamento da hérnia de disco inventando a tração mecânica: uma roldana junto aos pés do paciente puxava uma correia de couro atada logo acima dos joelhos, enquanto outra roldana acima da cabeça fracionava uma correia atada ao paciente logo abaixo das axilas. Enquanto as duas roldanas em movimentos opostos fracionavam a coluna, o médico, despido e sentado sobre as costas do paciente, dava pulinhos para reduzir a hérnia de disco.
Um dos primeiros estudiosos e artistas a desenhar com perfeição a coluna vertebral humana foi Leonardo da Vinci (1452-1519?). Ele foi o primeiro a mostrar a coluna com sua totalidade de vértebras:
Os desenhos de da Vinci são tão perfeitos que, apesar de feitos no período do Renascimento, já detalhavam todos os acidentes anatômicos de vértebras complexas como o atlas e o áxis. Também com perfeição, Leonardo da Vinci desenhou o sacro.
Abaixo do sacro ele desenhou o coccix, assim chamado porque lembra o bico de uma ave européia chamada coco, muito representada no passado em relógios de parede, de onde saía para avisar a hora certa.
"Cóccix" é o termo grego (kókkyx) para "cuco".
Um dos desenhos mais fantásticos de da Vinci chama-se O Coito (1492) e mostra o corte sagital de um casal durante a cópula.O artista acreditava que o receptáculo de armazenamento dos espermatozóides era o cérebro
e que o pênis possuía duas uretras, uma com função urinária e ligada diretamente à bexiga, e outra situada superiormente à urinaria e originada da medula espinhal. Assim estava explicada, sob o ponto de vida de Leonardo da Vinci, a via ejaculatória: os espermatozóides saíam do cérebro, passavam pela medula e/ ao nível do sacro, a uretra partia em direção à glande peniana.
É curioso observar que, no entendimento do artista, o esperma ejaculado era lançado diretamente no interior do canal cervical. Ele acreditava que o óstio externo da uretra masculina (meato urinário) no ato sexual acoplava-se com precisão ao estio externo do útero (óstio uterino
A história da coluna vertebral também passa pela literatura. Certa vez, o médico e escritor Guimarães Rosa (1908-1967), autor da obra prima Grande Sertão Veredas , escreveu uma carta a um amigo que sofria de lombalgia, da qual destacamos o seguinte trecho:
"Tu me dizes ultimamente que estás a amar ardentemente, até o mais profundo do teu ser. Ora, há algo mais profundo no ser humano do que a medula, esse réptil escorregadio que conduz nossos prazeres - Pois então, apaixonado, dou-te um conselho: cuida bem da tua coluna! Pois senão há de evaporar-se o teu amor!"
O mais famoso poeta e dramaturgo inglês, William Shakespeare (1564-1616), autor do romance Ricardo III, para agradar aos amigos da corte, descreveu de forma fantasiosa Ricardo como sendo corcunda e sofrendo de escoliose. No ato I, cena 1, de Ricardo III, Shakespeare assim se refere à personagem: "... Eu, que sou toscamente esculpido, eu, que sou privado de boa aparência, enganado pela dissimulada natureza, deformado, inacabado, mandado antes do tempo a este mundo, pronto apenas pela metade, e mesmo assim tão disforme e fora de moda que os cães latem para mim quando passo por eles...". Neste texto, o escritor faz alusão à coluna ciática e escoliótica do prematuro Ricardo III
Outra famosa menção à coluna vertebral é feita pelo poeta, romancista e dramaturgo francês Victor Hugo (1802-1885) no romance Notre-Dame de Paris (1831) .
Esta obra ficou posteriormente famosa com o título O Corcunda de Notre-Dame Originalmente, a Catedral de Notre-Dame deveria ser a personagem central dessa história; porém, o corcunda chamado Quasímodo, filho de uma prostituta, acabou se transformando na principal atração do romance.
Quasímodo era apaixonado pela pobre cigana Esmeralda, que ganhava seu sustento fazendo adivinhações na Praça dos Mendigos, em Paris, valendo-se da ajuda de sua cabra Djali. O corcunda, acusado de furto, encontrava-se amarrado no centro da praça e morrendo de sede. Esmeralda deu-lhe de beber, salvando sua vida. Algum tempo depois, por gratidão, ele também a salvou escondendo-a nas torres da Catedral. Victor Hugo, no livro I, capítulo V, assim se refere ao corcunda:
"... Aquele nariz tetraédrico, aquela boca em forma de ferradura, aquele ínfimo olho esquerdo..., enquanto que o olho direito desaparecia completamente sob sua enorme verruga; ... dentes tortos, quebrados aqui e ali, como o parapeito de uma fortaleza após o combate.
"Uma cabeça gigantesca; entre seus ombros uma enorme saliência, em parte visível pela frente; coxas e pernas tão estranhamente arranjadas que se tocavam apenas nos joelhos e, vistas pela frente, lembravam os crescentes de duas foices unidas pelos cabos; pés grandes, mãos monstruosas...".
".. Podia-se defini-lo como um gigante que houvesse sido partido em pedaços e depois desastrosamente rejuntado."
Este texto é uma verdadeira aula de Medicina e descreve com maestria a provável doença do corcunda, ou seja, sífilis congênita.Como chegamos a essa conclusão-"... Aquele nariz tetra-édrico..." registra a característica do nariz do sifilítico, ou seja, nariz em sela; descreve-se também uma grave ptose palpebral e microftalmia ("... aquele ínfimo olho esquerdo, enquanto o olho direito desaparecia..."); "dentes tortos" foi a maneira romanceado de Victor Hugo referir-se aos "dentes de Hutchinson "; "... uma cabeça gigantesca..." sugere fronte olímpica e hidrocefalia com afastamento das suturas cranianas e abaulamento das fontanelas; "... a saliência entre os ombros" refere-se a cifose (corcunda); "... coxas e pernas tão estranhamente arranjadas que se tocavam apenas nos joelhos..." é a descrição de Menu Dalgum (joelho valgo), decorrente do encurtamento das tíbias (tíbias em sabre) "...pés grandes e mãos monstruosas..."(acromegalia
Obviamente é uma alusão ao deus da mitologia grega Atlas. Por causa de um desentendimento com Zeus, deus dos deuses, Atlas recebeu o castigo de ter que carregar sobre seus ombros, para o resto da vida, o globo terrestre. Como a 1ª vértebra cervical suporta o peso da cabeça, é chamada de atlas para lembrar o sacrifício imposto ao deus grego.
Prometeu, irmão de Atlas, também se desentendeu com Zeus. Seu castigo foi ter a perna acorrentada no alto de um penhasco para que as águias devorassem seu fígado com ele ainda vivo. Por conta desse fato mitológico, existe uma técnica cirúrgica de hepatectomia parcial chamada "Técnica de Prometeu", na qual porções do fígado são retiradas em pequenos fragmentos
Prometeu Atlas e a Águia do Cáucaso (530 a.C.). Escola Grega .
A morte de Atlas se faz à medida que ele se transforma em pedra. Perseu, usando um escudo espelhado que havia tomado emprestado de Atena (Minerva), se aproxima da Medusa (a mulher com cabelos de serpente), que tinha o poder de putrificar com o olhar quem a fitasse. Os raios do sol se refletem no escudo e incidem diretamente nos olhos da Medusa. Ofuscada, ela desvia o olhar de Perseu. Ele então a degola, segura a cabeça pelos cabelos de serpente e tenta atravessar as terras habitadas por Atlas. Este tenta expulsá-lo, mas Perseu, enraivecido, mostra-lhe a cabeça da Medusa. Sem saber que não poderia fitá-la, Atlas então é petrificado e transformado no atual monte Atlas, na África
Na história da Medicina há o registro de que um dos mais famosos professores de Anatomia Humana da França morreu em conseqüência de uma fratura de coluna. Chamava-se Marie-François Xavier Bichat (1710-1802) e entrou para a história da Anatomia ao descrever pela primeira vez o corpo adiposo da bochecha, universalmente conhecida durante muitos anos como "bola gordurosa de Bichat".
Certa noite, ao descer as escadas que Davam para o subsolo do hospital Hotel-Dieu, onde funcionava a Anatomia, para realizar uma necropsia, o médico teria caído nos degraus e fraturado a coluna. Tudo leva a crer que um comprometimento meníngeo e vertebral (mal de Pott), decorrente de uma tuberculose avançada, tirou Bichat deste mundo.
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