terça-feira, 19 de maio de 2009

A Escravidao no Brasil

"Nos séculos XVII e XVIII, nos séculos de Luís XIV e de Voltaire, nos vésperas da Revolução Francesa, e mesmo depois dela, toda a Europa se entrega ao tráfico de negros."

Estas palavras de Augustin Cochin exprimem a mais comprovada das verdades.
Sem indagar a quem cabe a prioridade do tráfico, se aos portugueses , se aos espanhóis, certos é que, em meados do século XVI, ele já constituía o meio regular de colonização de Portugual e de Espanha, e durante os dois séculos seguintes abasteceu, igualmente, de trabalhadores escravos as colônias inglesas, francesas e holandesas.
Nenhuma potência marítima da Europa pode escapar á observação de Cochin.

Súditos de todos foram traficantes e possuídores de escravos africanos. Costuma-se
carregar sobre Portugual as maiores culpas do tráfico, talvez tendo em
considereçaõ que só muito tarde, libertamos no Brasil, os últimos produtos desse comércio, para nós originariamente português.
Mas, há injustiça na apreciação.

Culpas maiores teve a Espanha, não menores teve a Inglaterra, idênticas cabem á Holanda e á França. Durante muitos anos, o tráfico foi a principal fonte de renda da Espanha. Por meio dos seus famosos
'asientos', ela concedia a determinados súditos seus e de outras nações o direito exclusivo de fornecer negros escravos ás suas possessões de ultramar. O negócio era de tal monta e tantos lucros granjeava que os soberanos estrangeiros tudo faziam para obter os 'asientos'.

Sucessivamente, desde 1517 até 1743, vemos gozando o rendoso monopólio: flamengos, portugueses, espanhóis, franceses e ingleses. Os prazos das concessões foram diferentes, mas a Inglaterra conseguiu, pelo tratado de paz de Utrecht, para seus súditos, o maior de todos, 30 anos (1713).
Eram os 'asientos' beatamente celebrados ,en el nombre de la Santíssima Trinidad , pela magestade mui catolica de Espanha. Em geral, os empresários, com os quais a Espanha tratava, garantiam a transação por meio de grandes emprestimos ou adiantamentos feitos a ela. Os empresários se obrigavam a fornecer certa quantidade de negros, contados por peças ou por toneladas.
Em menos de dois séculos , realizou a Espanha dez contratos dessa espécie, relativos ao transporte de 500 mil escravos , ganhando 50 milhões de libras. Eis como se prova a importância ligadas a tais convenções: em 1743, como terminasse o prazo da concessão feita á Inglaterra e a Espanha não estivesse disposta a renova-lá , quase houve a declaração de guerra...
Pelo lado da França, vemos que , a 27 de agosto de 1701, o seu rei trés chrétien (sublinha Cochin) assinava com o mui católico rei da Espanha um tratado pelo qual o monoppólio do tráfico para as colônias espanholas era assegurado á Real Companhia de Guiné, representada por Du Casse. Neste tratado se explica qua a companhia francesa se encarrega do tráfico para que traga aos dois monarcas una loable, pura, mutua y reciproca utilidad...
Nem a própria revolução Francesa influi positivamente na supressão do tráfico; seus princípios de liberalismo não apoveitaram aos míseros africanos. Tanto assim que , nas Balances du Commmmerce de 1789,1790 e 1791, figuram os negros como gênero ou mercadorias coloniais.
Em 1792, no relatório que apresentou a Convenção acerca do comércio exterior, desculpa-se Roland por não poder dar o número exato dos cultivateurs africais transportés par armateurs dans les iles de L'Amerique.
A mentalidade coletiva da Europa autorizava e sancionava essas negociações relativas á mercadoria humana.

Embora aparecesse um ou outro escasso protesto, não lograva impressionar as clases dirigentes.
Desde o começo se patenteia inegável cumplicidade ou mansa aquiescência por parte dos sacerdotes cristãos, que só raramente condenaram, em absoluto, o tráfico e a escravidão.
São sem o menor valor as pretendidas demostrações do contrário, pois a mostra de piedade pelos escravos e a pregação da bondade aos senhores , no tratamento deles, não exprimem a negação formal do "direito de propriedade do homem sobre o homem."
Ao contrário, era tal a pressão dos prejuízos correntes acerca dos povos não-cristaõs e das necessidades econômicas dos paises colonizadores, que mais de um clérigo se faz arauto da escravidão dos negros africanos e houve quem sustentasse que na religião de Jesus não havia palavra contra tal instituto.
Notável entre os mais notáveis é o exemplo de "Las Casas".
Acerca da co-participação desse ilustre dominicano nos começos do tráfico para as colônias espanholas muito se tem escrito; em seu favor conhecemos
mais de uma defesa; mas, afinal, chegamos á conclusão a que chegara o insuspeito senador do império e erudito jurista Cândito Mendes de Almeida, na desenvolvida "Introdução" de que fez preceder os Princípios de Direito Mercantil, de Silva Lisboa (Visconde de Cairu).
"Las Casas", cuja ação junto ao governo central da Espanha e á administração das respectivas colônias, se fizera sentir no primeiro quartel do século XVI, combatendo com ardor a escravidão dos indígenas americanos, não trepidava em aconselhar a introdução de escravos africanos. Certo, "Las Casas" não foi - como alguns pretemdem - o autor do alvitre; aceitou-o , adotando-o.
Em defesa, ao mesmo tempo, dos indígenas e dos colonos europeus, acudiu, também em 1661, o preclaro padre Antônio Vieira, dizendo que no Maranhão só haveria remédio permanente de vida quando entrassem, com força, escravos de Angola.

A contradição se afigura, á primeira vista, colossal; mas se apreciar-mos o proceder do bispo Las Casas e do padre Antônio Vieira á luz das idéias do seu tempo, e se o compararmos com outras manifestações de personalidades igualmente cristãs, veremos que nada tem de extraordinário.



( na cidade de Paraiba do Sul, esta ponte com a sua beleza resiste ao tempo. Foi construída no período da escravidão - toda ela feita por escravos)



( A escravidão Africana no Brasil Cap. I -pg.16
Evaristo de Moraes)

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